"o
procedimento de fazer essa viagem
me leva ao lugar me
leva ao
ter lugar
na leitura do outro
acabamos por chegar
em nós mesmos"
Marília Garcia em
"Blind light"
Não sei onde Anelise Freitas está agora. Moramos na mesma cidade, no
mesmo bairro, quase na mesma rua, mas ela pode estar em qualquer lugar. Ainda
assim, é a voz dela que ouço agora, tentando me convencer que “é fácil falar
das coisas / não é fácil sentir universos”. Mas talvez não seja assim tão fácil
assim falar das coisas e prefiro me abster de maiores considerações sobre o
universo. O que realmente importa é: li Pode ser que eu morra na volta (Edições Macondo, 2015) pelo menos
quatro vezes e concluí que Anelise me deu duas escolhas: percorrer pelo avesso
um caminho narrativo absurdo ou ser abandonada em uma impossível trifurcação
poética. Três poemas, uma canção em três tempos ou três maneiras de voltar?
Fico com a última. Mas não é a direção que define a intenção do percurso,
porque alguém já disse que estamos sempre voltando para casa. Então talvez a
questão não seja para onde e nem como voltar, mas o motivo da volta.
Existem ainda outras escolhas: ao
escrever sobre a plaquete de Anelise, posso apontar e tentar analisar, por
exemplo, aquilo que prefiro chamar de “dissonância” que, à primeira vista,
seriam essas outras vozes, em outras frequências e idiomas, que atravessam os
textos. Ou posso contar que nunca estudei espanhol, mas gosto de pensar na existência
dos falsos cognatos puros e da ideia de que logo ali existem pessoas comprando
berros e desabrochando camisas. É possível, talvez, falar em “polifonia”, mas
esse conceito, como tantos outros, anda meio fora de moda, ao contrário do
fenômeno, que está sempre no mundo e independe de definição. Ninguém precisa
aceitar ou sequer entender o fenômeno, ele simplesmente existe, e um dia vai
entrar no seu quarto, cutucar seu ombro e dizer “oi”. Os conceitos pesam, as
palavras pesam e a leveza não é o contrário da densidade, é apenas mais uma
maneira de fluir através do tempo. Ou de voltar.
Posso falar ainda da tensão entre prosa
e poesia que, segundo Florencia Garramuño, evidenciaria em “alguns poemas muito
recentes (...) uma forte pulsão narrativa e uma decidida vontade de transgredir
os limites do lírico”, o que talvez seja uma característica da plaquete de
Anelise. Digo talvez porque a própria autoreflexividade do texto em alguns
momentos nos dá outras coordenadas: “A minha fala sem ritmo / atravessada pelo
ritmo da prosódia”; “una casa no es una casa / es una palabra".
Narratividade? Sim, pode ser. Mas prefiro dizer que vejo uma tensão não
propriamente entre prosa e poesia, mas entre poesia e oralidade e que, vindo de
Anelise, isso faz todo sentido. E aqui posso começar a pensar em Platão e mousiké.
Inserir uma citação d’A República e falar da ancestralidade oral da
poesia. Ou não.
Mas eu posso também me permitir
escrever um texto que não seja uma resenha, não seja uma análise, não seja um
artigo, enfim. Um texto que não seja o que um texto como esse deveria ser. E
farei isso, não só porque, em algum ponto, uma voz emerge de Pode ser
que eu morra na volta e me avisa: “Isto não é um poema”. Ok, talvez
seja um pouco por isso, mas também porque ali, parada no lugar impossível em
que Anelise me deixou ao fim de cada uma das leituras, pensei em qual seria o
meu motivo para voltar. E escrever uma resenha não é um deles. Por isso ainda
estou aqui. E é bem possível que Anelise também não volte mais.
"o
procedimento de fazer essa viagem
me leva ao lugar me
leva ao
ter lugar
na leitura do outro
acabamos por chegar
em nós mesmos"
Marília Garcia em
"Blind light"
Não sei onde Anelise Freitas está agora. Moramos na mesma cidade, no
mesmo bairro, quase na mesma rua, mas ela pode estar em qualquer lugar. Ainda
assim, é a voz dela que ouço agora, tentando me convencer que “é fácil falar
das coisas / não é fácil sentir universos”. Mas talvez não seja assim tão fácil
assim falar das coisas e prefiro me abster de maiores considerações sobre o
universo. O que realmente importa é: li Pode ser que eu morra na volta (Edições Macondo, 2015) pelo menos
quatro vezes e concluí que Anelise me deu duas escolhas: percorrer pelo avesso
um caminho narrativo absurdo ou ser abandonada em uma impossível trifurcação
poética. Três poemas, uma canção em três tempos ou três maneiras de voltar?
Fico com a última. Mas não é a direção que define a intenção do percurso,
porque alguém já disse que estamos sempre voltando para casa. Então talvez a
questão não seja para onde e nem como voltar, mas o motivo da volta.
Existem ainda outras escolhas: ao
escrever sobre a plaquete de Anelise, posso apontar e tentar analisar, por
exemplo, aquilo que prefiro chamar de “dissonância” que, à primeira vista,
seriam essas outras vozes, em outras frequências e idiomas, que atravessam os
textos. Ou posso contar que nunca estudei espanhol, mas gosto de pensar na existência
dos falsos cognatos puros e da ideia de que logo ali existem pessoas comprando
berros e desabrochando camisas. É possível, talvez, falar em “polifonia”, mas
esse conceito, como tantos outros, anda meio fora de moda, ao contrário do
fenômeno, que está sempre no mundo e independe de definição. Ninguém precisa
aceitar ou sequer entender o fenômeno, ele simplesmente existe, e um dia vai
entrar no seu quarto, cutucar seu ombro e dizer “oi”. Os conceitos pesam, as
palavras pesam e a leveza não é o contrário da densidade, é apenas mais uma
maneira de fluir através do tempo. Ou de voltar.
Posso falar ainda da tensão entre prosa
e poesia que, segundo Florencia Garramuño, evidenciaria em “alguns poemas muito
recentes (...) uma forte pulsão narrativa e uma decidida vontade de transgredir
os limites do lírico”, o que talvez seja uma característica da plaquete de
Anelise. Digo talvez porque a própria autoreflexividade do texto em alguns
momentos nos dá outras coordenadas: “A minha fala sem ritmo / atravessada pelo
ritmo da prosódia”; “una casa no es una casa / es una palabra".
Narratividade? Sim, pode ser. Mas prefiro dizer que vejo uma tensão não
propriamente entre prosa e poesia, mas entre poesia e oralidade e que, vindo de
Anelise, isso faz todo sentido. E aqui posso começar a pensar em Platão e mousiké.
Inserir uma citação d’A República e falar da ancestralidade oral da
poesia. Ou não.
Mas eu posso também me permitir
escrever um texto que não seja uma resenha, não seja uma análise, não seja um
artigo, enfim. Um texto que não seja o que um texto como esse deveria ser. E
farei isso, não só porque, em algum ponto, uma voz emerge de Pode ser
que eu morra na volta e me avisa: “Isto não é um poema”. Ok, talvez
seja um pouco por isso, mas também porque ali, parada no lugar impossível em
que Anelise me deixou ao fim de cada uma das leituras, pensei em qual seria o
meu motivo para voltar. E escrever uma resenha não é um deles. Por isso ainda
estou aqui. E é bem possível que Anelise também não volte mais.
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